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Especialista em Direito Agrário faz análise de legislação e histórico | Foto: Alexandre Porto Trindade
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Os 20 anos da criação da lei do georreferenciamento de imóveis rurais

Por Paulo Figueira*

O artigo é fruto do Seminário Nacional  GEO+20 promovido pelo CREA-Bahia, que tratou dos 20 anos da Lei n.º 10.267, de 28 de agosto de 2001, com a participação de diversas instituições e de profissionais que desenvolvem atividades de cunho científico e acadêmico com Cadastro de Georreferenciamento e Cadastro de Registro de Imóveis, desde o Projeto de Lei  no. 3242/2000, a aprovação da norma de Criação do Sistema Público de Registro de Terras, e a evolução e os entraves durante esses 20 (vinte) anos para sua aplicação.

Todos os cidadãos que têm terra, têm conhecimento ou deveriam saber que existem critérios para Reconhecimento de Posse, Ocupação, e Distribuição de Terras da Públicas União e isso está consagrado desde a Coroa Portuguesa, entre os anos de 1531 a 1822, cuja distribuição era condicionada a critérios restritos, que contribuíam para que o uso e a exploração da terra, inicialmente realizada através das Capitanias Hereditárias e Sesmarias, que foi a primeira tentativa para organizar a Ocupação e a Colonização do Brasil, em que a exigência era que houvessem melhores aproveitamentos e produtividades das terras.

Em 1850, houve a edição da Lei de Terras – Lei n.º 601 de 18 de setembro de 1850 -, considerada como uma legislação inovadora no âmbito do Direito Agrário Brasileiro. Uma de suas particularidades faz referência à compra (alienação) como a única forma de acesso à terra, o que inviabilizou os Sistemas de Posse ou Doação, anteriormente utilizados pelo Sistema Sesmarias. Assim, todos os que já estavam produzindo na terra recebiam o título de proprietário. Por outro lado, as terras que ainda não eram ocupadas e não cumpriam a função social passavam a ser propriedade do Estado, principalmente para combater especulação imobiliária, muito comum hoje na Amazônia Legal.

Após anos, em 1964, foi criado o Estatuto da Terra, que é a forma como se encontra disciplinado o uso, ocupação e demais relações fundiárias no Brasil. De acordo com o referido Estatuto, o Estado passou a ter obrigação de garantir o direito de acesso à terra para quem nela vive e trabalha e cumpre a função social da propriedade.

Entretanto, a  primeira lei criada com o objetivo de padronizar o Registro de Imóveis Rurais foi a Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Esta norma trata não somente do Registro de Imóveis Rurais e Urbanos, como também, do Registro Civil de Pessoas Naturais e Jurídicas, títulos e documentos.

A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), também possui grande relevância para a matéria. Ações de Reforma Agrária foram legitimadas e, com o objetivo de harmonizar os interesses envolvidos, foi garantido o Direito de Propriedade, a obrigatoriedade do cumprimento da função social e também foi prevista a vedação de penhora para pagamento de débitos decorrentes das atividades produtivas da pequena propriedade rural.

A Lei n.º 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra), garantiu a propriedade familiar, e a definiu como o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração e, eventualmente, trabalho com a ajuda de terceiros.

Mais tarde surgem normas importantes para tratar de terras da União na Amazônia Legal, como:

i) a Lei n.º 11.952, de 25 de junho de 2009 que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal; altera as Leis nº. 8.666, de 21 de junho de 1993, e a 6.015, de 31 de dezembro de 1973; e dá outras providências;

ii) Decreto n.º 10.592, de 24 de dezembro de 2020 que regulamenta a Lei n.º 11.952, de 25 de junho de 2009, para dispor sobre a regularização fundiária das áreas rurais situadas em terras da União, no âmbito da Amazônia Legal, e em terras do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, por meio de alienação e concessão de direito real de uso de imóveis;

iii) Instrução Normativa Nº 104, de 29 de janeiro de 2021 que Fixa os procedimentos para regularização fundiária das ocupações incidentes em áreas rurais, de que trata a Lei n.º 11.952, de 25 de junho de 2009, regulamentada pelo Decreto n.º 10.592, de 24 de dezembro de 2020, e dá outras providências.

Além das normas de terra em vigor, tramita no Congresso e no Senado Federal o Projeto de Lei n.º 2.633, de 2020, que aumenta o tamanho de terras da União passíveis de regularização fundiária sem vistoria prévia, bastando a análise de documentos e de declaração do ocupante de que segue a legislação ambiental.

Portanto, conforme exposto, é importante esclarecer, que a ausência de controle sobre a divisão de terra no Brasil é antiga, vem desde a Colonização Portuguesa, em que até hoje existe uma lacuna e ausência de uma conexão entre Cadastro de Georreferenciamento  e Cartório de Registro de Imóveis.

A título de ilustração da situação de Cadastro de Georreferenciamento e da conexão com o Cadastro de Registro de Imóveis, o Brasil tem 851 milhões de hectares e 5.570 municípios, o que equivale duas vezes à União Europeia, entretanto apresenta seus diversos cadastros fragmentados e dissociados. Mais grave ainda é detectar que há municípios sem Cadastro Georreferenciado, dados sem padrão, incompletos ou desatualizados, e que esses Cadastros Urbanos e Rurais são separados.

Portanto, existe ausência de integração entre Cadastros de Georreferenciamento e os Cartórios de Registros de Imóveis, e entre as bases cadastrais dos municípios. Isso equivale dizer, que metade dos imóveis urbanos não tem Escritura Pública no Brasil, faltando integração da base de dados dos imóveis.

Isso reflete em insegurança jurídica na compra e venda dos imóveis, para comprovar basta analisar os dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (2001) em que salienta que em termos de terras griladas há um contingente de 100 milhões de hectares de terras griladas, que representa quatro vezes o Estado de São Paulo e duas vezes a Espanha, sem olvidar que temos no pais terras de papel ou beliches fundiários, que representa área registrada maior que a área oficial.

Portanto, sem integrar os bancos de dados, os diferentes Sistemas Cadastrais e resgatar as informações relativas aos imóveis incorporados ao patrimônio público e destinados, o caos vai continuar no país.

Após essa digressão de normas brasileiras e de dados que tratam de Governança de Terras no Brasil, vamos tratar mais especificamente da Lei nº. 10.267, de 28 de agosto de 2001, objeto do artigo, conhecida como Lei de Criação do Sistema Público de Registro de Terras, originária do PL no. 3242/2000, e que surgiu com a promessa de acabar com a Grilagem de Terras. Diga-se de passagem que o material produzido para a divulgação da lei anunciava que “Grilagem de Terra e Latifúndio agora são coisas do passado.” É importante salientar que a Lei n.º 10.267, de 2001, também modificou a Lei n.º 4.947 de 6 de abril de 1966, a Lei n.º 5.868 de 12 de dezembro de 1972, a Lei n.º 6.739 de 5 de dezembro de 1979, e a Lei n.º 9.393 de 19 de dezembro de 1996.

Vale ressaltar que essa norma criou o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR), o Georreferenciamento seria realizado de acordo com o Sistema Geodésico Brasileiro (SGB), além da exigência que os Cartórios de Serviços de Registro de Imóveis encaminhassem ao INCRA, mensalmente, todas as modificações ocorridas nas Matrículas Imobiliárias decorrentes de mudanças de Titularidade, de Parcelamento, de Desmembramento, de Loteamento, de Remembramento,  de Retificação de Área, de Reserva Legal e de particular do patrimônio natural e de outras limitações e restrições de caráter ambiental, envolvendo os imóveis rurais, inclusive os destacados do patrimônio público. É importante enfatizar que a obrigatoriedade de realizar o Georreferenciamento não se limitou apenas ao proprietário do imóvel rural, mas também aos possuidores, usufrutuários, foreiros ou enfiteutas.

Desta forma, esta lei foi criada com o intuito de padronizar a identificação de propriedades rurais, funcionando como um método de validação das coordenadas geográficas de uma propriedade por meio de mapas e imagens vinculados ao Sistema Geodésico Brasileiro, que é um sistema de coordenadas associado à família de pontos descritores, proporcionando a dimensão e localização de um determinado imóvel rural com alto grau de precisão.

Destarte, o Sistema Geodésico Brasileiro tem no Banco de Dados Geodésicos um repositório de informações, o qual contém valores de coordenadas latitudes, longitudes e altitudes, localização dos marcos implantados e seu estado de conservação, itinerário para facilitar sua localização em campo, dentre outros atributos.

Para muitos doutrinadores e profissionais liberais que trabalham na área de Georreferenciamento, relacionam como vantagem que a Lei nº. 10.267, de 2001, vem colaborando para um enfrentamento do problema do ineficiente ordenamento territorial que sempre esteve presente na história brasileira. Deste modo, nas últimas décadas, essa questão foi reconhecida como diretamente relacionada ao desenvolvimento sócio econômico e ambiental. O Ordenamento Territorial Rural é um movimento mundial e uma necessidade premente, decorrente principalmente das Resoluções de Conferências Internacionais da ONU, estabelecendo ações para preservação e conservação do meio ambiente, para erradicação da pobreza, para promoção do progresso social e para o bem-estar para todos, como pilares para o desenvolvimento sustentável e justiça social.

Essa Governança da Terra surgiu a partir de 1990, base para um padrão de uso da terra de forma sustentável e de inclusão social. Desta maneira, fica evidenciado a importância da Lei do Georreferenciamento de Imóveis Rurais, que busca um diálogo entre o Cadastro do Georreferenciamento e o Cadastro de Registro de Imóveis, configurando-se com uma ferramenta para estagnar a grilagem, e garantir segurança jurídica para quem trabalha, vive na terra, e cumpre a função social da propriedade.

Incontestavelmente, a Lei nº. 10.267, de 2001, transformou a concepção que a sociedade brasileira tem hoje sobre a necessidade de um ordenamento territorial eficiente e eficaz no meio rural. Anteriormente, essa Governança da Terra era debatida e internalizada em ambientes acadêmicos e de profissionais ligados à área de regularização fundiária e registral, mas sem ter uma interlocução em âmbito nacional, ficando restrita a um grupo seleto.

Todavia com a criação desta lei essa questão passou a contar com uma ferramenta que se mostrou adequada e de proporções nacionais, que trouxe avanço e conexão entre os Cadastros de Georreferenciamento e Cadastro de Registros de Imóveis. Assim, essa norma dentre outros procedimentos igualmente necessários para implementar ações voltadas ao ordenamento territorial, possibilitou o conhecimento preciso dos limites da ocupação territorial, com base em suas coordenadas Georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, com um nível de confiabilidade dado pelas respectivas precisões posicionais, inclusive com as exigências de profissionais habilitados e credenciados pelo Conselho de Engenharia, o que  fez com que muitos cursos técnicos, de tecnólogos e de engenharia fossem criados nas Faculdades, Universidades, Institutos Privados, e Federais de Educação, para atender essa demanda reprimida de profissionais habilitados para desenvolver atividades de Georreferenciamento e de Registro de Imóveis.

Inobstante isso, a Lei nº. 10.267, de 2001, foi primordial para o consumação do Ordenamento Territorial Brasileiro, principalmente como importante ferramenta ao Cadastro de Sistema de Registro Imobiliário para uma maior segurança jurídica da propriedade, também valioso aparelho nos processos de regularização fundiária e para a geração de ativos econômicos, sociais e ambientais com base na terra, assim como importante instrumento para uma justa tributação sobre o uso e ocupação da terra principalmente com a participação da Receita Federal, bem como necessário para todo tipo de ação administrativa, judicial, envolvendo a ocupação territorial e registral, possuindo grande impacto e efetiva contribuição para a Governança da Terra, refletindo na eficiência das políticas públicas sobre o território brasileiro, relacionado ao Cadastro de Georreferenciamento e Cadastro de Registro de Imóveis.

Aliás, a esse respeito, é salutar enfocar, que essa efetividade da Lei nº. 10.267, de 2001, só foi possível a partir do estabelecimento de duas medidas, quando se trata de informações confiáveis sobre a ocupação territorial: a medição dos imóveis por estabelecer o Georreferenciamento ao Sistema Geodésico Brasileiro dos pontos que definem os limites dos imóveis rurais, mas também por determinar uma precisão posicional desses pontos, e a necessária conexão com o Registro de Imóveis (Cadastro e Registros).

Apesar de serem medidas óbvias no contexto dos principais sistemas cadastrais em vários países, somente com a Lei do Georreferenciamento Rural isso se tornou uma realidade no Brasil, pelo menos quanto aos imóveis rurais, visto que a lei não trata de imóveis urbanos.

Prefacialmente, cabe ressaltar, que ao estabelecer a obrigatoriedade da conexão de informações do imóvel Georreferenciado, entre o INCRA e os Cartórios de Registro de Imóveis, a norma, estabeleceu diretrizes mais confiáveis para o desejado Princípio da Especialidade do nosso Sistema Registral, garantindo assim uma maior segurança jurídica à propriedade e aos negócios imobiliários.

Adicionalmente, ao reconhecer essa necessária conexão entre o Cadastro de Georreferenciamento e o Cadastro de Registro de Imóveis, foi uma política pública importante para as ações em curso e outras mais necessárias para ampliar o processo de integração das bases cadastrais, notadamente quanto aos aspectos ambiental e fundiário.

Entretanto, apesar dessa busca para integrar Cadastro e Cartórios de Registros de Imóveis, ainda persiste uma das dúvidas mais pertinentes aos proprietários de imóveis rurais que está ligada aos prazos legais para realizar o Georreferenciamento de suas propriedades.

Sabe-se que a Lei n.º 10.267, de 2001, estipulou um prazo de 10 (dez) anos para que todos os proprietários de terras com extensão territorial maior que 100 hectares estivem devidamente regularizados junto ao INCRA, entrando em vigor esse prazo a partir de 2011.

Como é de conhecimento de todos, o Brasil não cumpre prazo, e o Poder Legislativo é complacente, pois sua vida e ambição é sempre a busca de voto, com isso sempre dá um jeitinho brasileiro para alterar as normas, e principalmente flexibilizar e alargar prazos por intermédio de Projetos de Lei.

Este modo de agir não contribui em nada para resolver o problema. Muito ao contrário, alimenta a confusão, cria marcos temporais de eficácia mais fictícia do que real, pois não faz nada mais do que idealizar data para admitir uma regularização que a legislação não admite (como a Lei n.º 6.739, de 1979, que em seu artigo 8º-B admite nulidades de matrículas e registros vinculados a títulos nulos de pleno direito, mesmo se decorrentes de decisão judicial; a ação discriminatória de terras devolutas e outras ações de natureza declaratória de nulidade). Qual o motivo disso? O ato nulo não gera efeitos e não se corrige. Uma vez nulo, nulo sempre. E mais, no Direito brasileiro o registro decorre de título válido, eficaz e juridicamente existente. Qualquer marco temporal é apenas medida adequada para os casos de irregularidades que não envolvam nulidades absolutas.

Exatamente assim, por motivos de não cumprimento da lei por grande parte dos proprietários de imóveis rurais, os prazos para realizar o Georreferenciamento foram modificados, primeiramente, pelo Decreto n.º 4.449 de 30 de outubro de 2002, e posteriormente pelos Decreto n.º 5.570 de 28 de agosto de 2005Decreto n.º 7.620, de 21 de novembro de 2011, e o Decreto n.º 9.311 de 15 de março de 2018, e outros virão com certeza.

Dessa maneira e sempre flexibilizando leis e alargando prazos, as últimas alterações, os proprietários de terras que possuem área de 25 a 100 hectares, deverão realizar o Georreferenciamento de sua propriedade até o ano de 2023. Aqueles com área menor que 25 hectares, têm até 2025 para se regularizarem junto ao INCRA. Já imóveis com área maior que 100 hectares, já deveriam estar devidamente regularizados seus imóveis desde o ano de 2018.

Vale ressaltar, entretanto, que o país precisa estabelecer uma estrutura de gestão eficiente, sistêmica, completa, integrada e de abrangência nacional para o Sistema de Cadastro Territorial, integrando principalmente o Rural com o Urbano com base no Georreferenciamento de Parcelas Territoriais, fazendo a conexão com o Registro Cadastral nós Cartórios.

Sendo importante, observar e aproveitar as experiências internacionais exitosas de desenvolvimento de Sistemas Cadastrais e Registrais, considerando iniciativas e estruturas existentes, aproveitando as expertises e a capacidade tecnológica e gerencial já produzidas no país.

É importante esclarecer que o avanço de uma Governança de Terras passa necessariamente por um eficiente Sistema de Cadastro Territorial com base no Georreferenciamento e a conexão com o Registro Cartorial. Mas, nesse aspecto, temos muito ainda a evoluir no Brasil. O certo é que a partir da Lei no.10.267, de 2001, todos os imóveis rurais deveriam ser Georreferenciados pelo Sistema Geodésico Brasileiro, observados os prazos legais, cujo escopo principal seria evitar a superposição de áreas, as fraudes, as grilagens e as distorções nos dados, e principalmente garantir mais segurança jurídica e veracidade aos registros.

Esse procedimento também deve ser adotado em todos os autos administrativos e judiciais que versem sobre imóveis rurais. Portanto, para Georreferenciar um imóvel rural a partir desta norma é necessário o Memorial Descritivo do Imóvel, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, Georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA – com a devida ART, assinado por um profissional habilitado e credenciado pelo INCRA, e a certificação realizada pelo INCRA.

Apesar de ser uma exigência legal, o não cumprimento do Georreferenciamento da Propriedade Rural não acarreta em multas. Porém, o proprietário fica proibído de realizar qualquer Procedimento de Desmembramento, Remembramento ou Parcelamento de sua Propriedade até que a mesma esteja regularizada junto ao INCRA.

Atualmente, Georreferenciar a Propriedade é uma medida regulatória essencial, uma vez que imóveis Georreferenciados e devidamente regularizados irão possuir uma maior credibilidade ao serem comercializados e na maioria das alienações fundiárias, compradores nacionais e estrangeiros, optarão por imóveis que já possuem a documentação regulamentada da propriedade. Além disso, em alguns bancos, a certificação do imóvel pelo INCRA já se tornou obrigatória para o processo de financiamento de crédito.

Mesmo com esse avanço proporcionado pela Lei de Georreferenciamento Rural, a Governança da Terra, ainda, esbarra em conflitos, principalmente, da ordem de Cadastro de Georreferenciamento e de Cadastro de Registro de Imóvel, visto que não está claro, itens como a posse e ocupação da terra, o valor da terra, o uso da terra, e o desenvolvimento da terra. Há muitos órgãos atuando e sem conversar entre si, sem olvidar que a regularização fundiária é realizada por cada um ente público com cadastro distintos, não há um identificador único no país.

Elencam-se proposições, fruto do GEO+20, para equacionar essas questões,  ligadas a desconexão do Cadastro do Georreferenciamento com o Cadastro do Registro de Imóveis, como: i) o Estado Brasileiro precisa assumir seu papel de Governança da Gestão de Terras como uma Política de Estado com índice de Governança Fundiária; ii) Construção de um Cadastro Integrado Único entre os entes públicos; iii) Regularização das Posses e Ocupações Privadas existentes; iv) O Estado precisa identificar e se apropriar das Terras Devolutas e Remanescentes; v) Integração das legislações fundiárias federais, estaduais e municipais para atingir os fins acima elencados; vi) Criação de um Quadro Institucional que atenda às necessidades de Governança Fundiária pelas Terras no Brasil;  vii) A Gestão da Governança de Terra tem que estar junto a órgão hierarquicamente superior aos ministérios (por exemplo Casa Civil), em virtude da existência de diversos cadastros em órgãos distintos e a difícil decisão de colaboração entre os mesmos pela insistência de não unificar dados e inforrmações; viii) A Necessidade da Integração do Georreferenciamento Urbano com o Rural, como Política de Sistema de Governança da Terra; e ix) A Elaboração de Legislação pertinente a Gestão Territorial e ao Cadastro de Imóveis.

Para concluir, salienta-se que conforme exposição, a Lei n.º 10.267, de 2001, foi um grande avanço na Estruturação do Cadastro Territorial Rural. O aprimoramento da Descrição dos Limites dos Imóveis Rurais a partir de Coordenadas Georreferenciadas, fortaleceu o Sistema de Registro Público e tornou-se uma excelente ferramenta utilizada pelos Registradores de Imóveis nos Cartórios e o Gestor de Terras Rurais no Brasil, o INCRA.

Entretanto, ficou evidenciado, que a desarticulação e a ausência de diálogos das instituições no Executivo Federal, permitiram a criação de diversos sistemas produzindo e gerenciando as mesmas informações de forma divergentes.

Pode-se citar como exemplo claro dessa desarticulação institucional, e da ausência de diálogos, de um comando maior como poder decisório para coordenação da Gestão de Governança de Terras no Poder Executivo Federal, para dirimir essas criações de Cadastros distintos, com vultosos recursos financeiros e de capital humano, o exemplo claro disso é o Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF), e o Cadastro Ambiental Rural (SICAR). Visto que o SIGEF tem como função principal a Certificação do Georreferenciamento de Imóveis Rurais, e o SICAR, o Cadastro Ambiental Rural.

Desta maneira, muitas vezes, os limites das propriedades rurais nesses sistemas são divergentes e causam um conflito na gestão do território brasileiro em todo país.

Posto isso, fica evidenciado a ausência de uma Instância de Governo, com a Missão de Definir Diretrizes para a Gestão do Território Nacional, entre o Rural e o Urbano.

Outro ponto importante a esclarecer, é concernente a uma legislação específica para tratar de Cadastro de Georreferenciamento e Cadastro de Registro de Imóveis.

Fica claro, que ainda há a necessidade de estreitar a relação entre o Poder Executivo, o Legislativo, e o Judiciário, atinentes a uma padronização de normativas, de Políticas Públicas de Governança de Terras, e da necessidade premente de uma relação mais próxima da União com os Estados e os Municípios, visando equacionar e desmitificar esses excessos de cadastros existentes, que não se coadunam, não conversam, e que impossibilita a conexão, originando prejuízos de milhões de reais e desperdício de capital humano.

É urgente a necessidade da integração dos Sistemas Cadastrais e o Registro de Imóveis, sabe-se que é viável, principalmente com a tecnologia e conhecimento que o país desenvolveu durante esses 20 anos após a criação da Lei n.º 10.267, de 2001. Urge a necessidade de deixar de lado as vaidades institucionais e trabalhar em função de Diretrizes de Estado como Política de Governança da Terra.

Com essa ausência de conexão entre os Cadastros de Georreferenciamento e o Cadastro de Registros de Imóveis há uma renúncia fiscal bilionária em que o país deixa de arrecadar, sem olvidar que essa Desgovernança da Terra, favorece a Grilagem de Terras Públicas (Devolutas e Remanescentes), sobreposição de terras públicas e privadas, expulsão dos posseiros, distribuição irregular de títulos.

O autor

Paulo Sérgio Sampaio Figueira é advogado e professor com atuação em Direito Ambiental, Agrário e Administrativo. Técnico Agrícola, Graduado em Bacharel em Direito, em Administração de Empresas, em Arquivologia, em Ciências Agrícolas. Pós-graduação em Desenvolvimento Sustentável e Gestão Ambiental, em Direito Ambiental e Política Pública, em Arquivologia, em Metodologia Cientifica, em Advocacia Eleitoral, e Mestre em Direito Ambiental e Política Pública. Autor de Obras em Direito Ambiental e Agrário e de Política Pública, Vice-Presidente da Comissão Nacional de Regularização Fundiária da UBAU-Região Norte, Presidente da Pasta Ambiental da UBAM, já foi Secretário de Estado de Meio Ambiente, Membro da Anamma e da Abema, e Presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/AP.

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