O marco temporal é um termo que tem ganhado destaque no contexto do agronegócio brasileiro e tem sido associado a inseguranças jurídicas, especialmente no que diz respeito à questão indígena e à demarcação de terras, podendo afetar o agronegócio no Brasil e as preocupações relacionadas a essa questão.
O conceito jurídico estabelece uma data limite para a demarcação de terras indígenas no Brasil. De acordo com esse princípio, somente as terras que estavam ocupadas ou em disputa por comunidades indígenas até a data da promulgação da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988 poderiam ser reconhecidas como terras indígenas, de tal maneira que ocupações posteriores a essa data não seriam consideradas legítimas para efeitos de demarcação.
A tese do marco temporal foi um argumento utilizado em diversos casos judiciais e administrativos para restringir a demarcação de terras indígenas e, frequentemente, entrou em conflito com os direitos e reivindicações das comunidades indígenas, que muitas vezes alegavam que sua ocupação ancestral de terras havia ocorrido antes de 1988.
Segundo dados do IBGE e Funai, respectivamente, a agricultura ocupa 7,8% do território nacional, equivalente a 63.517 milhões de hectares, enquanto a área ocupada por terras indígenas chega a 118 milhões de hectares. Esses números explicitam que existe 0,3 hectares da agricultura para cada brasileiro e 131 hectares de reserva para cada indígena do país, podendo chegar a 230 hectares, caso os 515 novos pedidos de demarcação lançados e em estudo sejam aprovados pela Funai.
O Observatório Jurídico do Agronegócio, ligado à Frente Parlamentar da Agropecuária, aponta que a queda do marco temporal da demarcação das terras indígenas trará um prejuízo de U$ 42.166,5 bilhões, o mesmo valor do saldo da balança comercial brasileira relativo ao período de janeiro a julho de 2023. Isso implica em fragilização do Brasil frente ao mercado global de alimentos e perda de competitividade, redução da rentabilidade e retração de investimentos, diminuição da arrecadação e da geração de empregos no setor mais importante de nossa economia.
Em agosto de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão importante em relação à tese do marco temporal. Por maioria de votos, os ministros decidiram que a tese do marco temporal não é aplicável de forma ampla e absoluta. Eles afirmaram que a ocupação indígena anterior a 1988 não é o único critério para a demarcação de terras, e outros fatores, como a tradicionalidade da ocupação, deveriam ser considerados.
A tese voltou às baias do STF em 21 de setembro de 2023, sendo derrubada por 09 votos favoráveis e 02 contrários, considerando que a data de promulgação de Constituição Federal não pode ser utilizada na definição da demarcação de terras indígenas no Brasil, a partir do julgamento do Recurso Extraordinário de número 1017365.
No Congresso Nacional, onde a bancada do agronegócio possui grande força política, ocorreu a aprovação do projeto de lei 2.903/2023, apresentado pelo ex-deputado Homero Pereira (MT), e aprovado pelo Senado, em 27 de setembro, sob a relatoria do Senador Marcos Rogério (PL-RO). No entanto, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizou 34 vetos na Lei 14.701/23, permanecendo praticamente apenas as disposições gerais, sobre os princípios orientadores da lei, mantendo a decisão do STF de rejeitar a tese do marco temporal, e considerando o direito originário dos povos indígenas, previsto na CF e, ainda, segundo a Presidência, a decisão possui repercussão geral. Sem olvidar, a decisão o Presidente também vetou trechos que regem as possibilidades de indenização por posses de boa-fé, alegando ser um incentivo para novas ocupações.
A decisão final sobre a lei ainda pode ser revertida pelo Congresso Nacional, pois, tendo a maioria absoluta dos votos, formada por 41 votos dos Senadores e 257 votos dos Deputados Federais, computados separadamente em sessão, os vetos presidenciais são rejeitados. Nesse sentido, caso a matéria mantenha o número de votos obtidos em sua aprovação, 43 votos a favor e 21 contrários no Senado, e 283 a favor e 155 contrários na Câmara Federal, os vetos presidenciais serão derrubados, levando a batalha para a instância judicial, capitaneada pela Suprema Corte e a Suprema Casa de Leis, pois o STF deve considerar a lei inconstitucional, levando o Congresso à formulação de um Projeto de Emenda à Constituição Federal.
A análise dos vetos presidenciais pelo Congresso Nacional está marcada para o dia 22 de novembro de 2023.