Nos anos 1930, os Estados Unidos estavam em maio ao colapso da economia global da Grande Recessão. A agricultura norte-americana enfrentava uma crise sem precedentes, com preços dos produtos agrícolas caindo vertiginosamente, o crédito desaparecendo e milhares de produtores perdendo suas terras para bancos. Foi em meio a esse cenário que surgiu o Farm Holiday Movement, um movimento rural tão espontâneo e natural que foi sendo abraçado pelas pessoas das cidades agrícolas americanas dia a dia, ganhando uma força tamanha que é exemplo até hoje do poder do agronegócio quando ele se mobiliza.
Com epicentro no estado de Iowa, o movimento ganhou força a partir de 1932, e até 1934, já havia se espalhado por todos os estados agrícolas do Meio-Oeste Americano, com destaque para o Nebraska, Kansas e Dakota do Sul. A proposta era direta: paralisar a produção e a comercialização de alimentos como forma de protesto contra os preços aviltantes e a falta de políticas públicas eficazes.
MUITO ALÉM DE UM ATO DE PROTESTO, MAS TAMBÉM UMA GRANDE PEÇA DE MARKETING
Com o lema “Stay at home – Buy nothing – Sell nothing” (Fique em casa – Não compre – Não venda), produtores deixaram de plantar, colher ou entregar animais, leite, frutas e grãos. Em casos mais extremos, os protestos incluíram bloqueios de estradas, boicotes a leilões de fazendas e até a destruição de produtos, como o leite, que em muitos pontos foi derramado em valas para chamar a atenção da opinião pública. Fazendeiros sequer trocavam animais entre si e, quando havia algum escambo, era para absoluta subsistência. Mas o movimento não era somente de não venda, mas também de não compre e não troque, pois entre os agricultores ninguém comprava ou trocava de carro, comprava animais, roupas e insumos; o campo parou.
O movimento organizado por lideranças locais, homens e mulheres simples, mas bem articulados e ligados ao agronegócio não teve sindicatos ou partidos políticos envolvidos, era um movimento do agro raiz, que colocava a mão na terra e sentia na pele a dor da falta de reconhecimento pelo trabalho de sol a sol para garantir o alimento que todo o país dependia. Foi um grito da classe produtiva que, mesmo alimentando o país, estava sendo empurrada à falência.
A RESPOSTA DO ESTADO
Em 1933, o recém-empossado presidente americano Franklin Roosevelt determinou a implementação do New Deal, uma série de programas do governo americano voltados ao campo. O mais significativo e conhecido foi o Agricultural Adjustment Act (AAA – triplo A), que estabeleceu controle de produção e garantiu subsídios para elevar os preços agrícolas.
Foi o início de uma nova era na política agrícola norte-americana, marcada pela presença mais ativa do Estado no setor rural, algo impensável até aquele momento.
As medidas do governo para atender o Farm Holiday Movement foram algumas das principais conquistas do movimento, mas não a principal e mais duradoura. A temporada de escassez de alimentos e a atenção que o governo americano deu ao movimento fizeram as pessoas comuns voltarem os olhos para o campo e perceberem o sofrimento e angústia de homens e mulheres como eles, mas que produziam o alimento que chegava às suas casas.
Disparou-se então uma segunda onda em consequência do Farm Holiday Movement: a onda de conscientização urbana, que invadiu lares, ruas, mercados e escolas e, anos depois, era consolidada no cinema. Fazendo com que cidadãos urbanos, normalmente alheios aos problemas do campo, passassem a perceber como o bem-estar da sociedade estava diretamente ligado ao trabalho dos agricultores.
ENSINAMENTOS QUE AINDA IMPORTAM
O Farm Holiday Movement é um poderoso lembrete de como o campo pode se fazer ouvido, ele tem voz, mas precisa se fazer ouvir. Em um mundo cada vez mais urbano, a sociedade tende a esquecer a vulnerabilidade dos sistemas de produção agropecuário e, levado por modas passageiras, chega a hostilizar o homem do campo, que garante o alimento que chega à nossa mesa. Onívoros, carnívoros, vegetarianos e veganos, todos dependemos de o campo produzir para que o nosso alimento, seja ele qual for, chegue à nossa mesa.
O episódio americano nos mostra ainda que ações coordenadas entre produtores podem provocar mudanças estruturais, sobretudo quando respaldadas por organização e senso de urgência. Quando dizem: “se o campo não produzir, a cidade passa fome” é absolutamente verdadeira e por isso campo e cidade precisam estar unidos pelo bem comum, deixando o “nós e eles” para as partidas de futebol. Os americanos descobriram que a América só se fez forte e independente por unir o campo e a cidade no movimento de independência, perceberam que essa mesma união foi a chave de virada da grande recessão e que, para isso, reconheceram o papel do agronegócio para a estabilidade de toda uma nação.
REFLEXÕES PARA A TERRA BRASILIS
Enchemos o peito para dizer que o Brasil é o celeiro do mundo, mas somos tímidos para defender o agronegócio quando alguém critica o agronegócio por questões de meio ambiente. Nos esquecendo que grande parte das reservas de matas nativas estão dentro das propriedades rurais. Somos orgulhosos de produzirmos alimentos que alimentam uma nação, mas somos incompetentes em mostrar para essa nação que o agro precisa ser adequadamente remunerado para seguir produzindo. Nos revoltamos quando, por desconhecimento, falam mal do agro; mas não vamos nas escolas dos nossos filhos contar como é a vida no campo.
O agro brasileiro não se valoriza como os americanos fazem! Essa é uma verdade que dói e até revolva, mas quantas vezes você foi em um evento voltado ao agronegócio e o que tinha lá era refrigerante e não leite, café, suco de laranja integral? Colocamos bolachinhas recheadas e nos esquecemos do queijo. Americanos colocam leite, queijo, suco de laranja e corn-flakes nos filmes, séries e até mesmo nos talk-shows, e aqui: aqui é uma caneca que ninguém sabe o que tem dentro.
Muito além de uma questão de mercado e preços agrícolas, o agro brasileiro precisa despertar para a união em torno de sua imagem agora e no futuro. Pouco estão percebendo, mas o impacto na imagem abala políticas de segurança fundiária, crédito, logística e tudo o mais que envolve o setor. A lição deixada pelos agricultores americanos de 1930 é clara: o produtor rural, quando ignora sua força coletiva, corre o risco de ficar isolado nas decisões que moldam o futuro do setor, vira refém de quem sem ele, morreria de fome.